Esquerdista pode tudo
(Texto de RODRIGO
CONSTANTINO, publicado em "o globo" on line em 18/02/14)
Ser de esquerda, no Brasil, significa ter
um salvo-conduto para defender todo tipo de atrocidade e cair nas maiores
contradições. É o monopólio das virtudes após décadas de lavagem cerebral
demonizando a direita liberal ou conservadora.
Um esquerdista pode, por exemplo,
mostrar-se revoltado com o regime militar, tentar reescrever a história como se
os comunistas da década de 1960 lutassem por democracia e liberdade, tentar
mudar o nome até de ponte, e logo depois partir para um abraço carinhoso no
mais velho e cruel ditador do continente, Fidel Castro.
Um esquerdista pode, também, repudiar o
“trabalho escravo” em certas fazendas brasileiras, o que significa não atender
às mais de 200 exigências legais (incluindo espessura de colchão), e logo
depois aplaudir o programa Mais Médicos do governo Dilma, que trata cubanos
como simples mercadoria.
Um esquerdista pode tentar desqualificar
uma médica cubana que pede asilo político, alegando que tinha problemas com
bebida e recebia amantes em seu quarto (é proibido isso agora?), para logo
depois chamar de preconceito de elite qualquer crítica ao ex-presidente chegado
a uma cachaça e a “amizades íntimas”.
Um esquerdista pode culpar o embargo
americano pela miséria da ilha-presídio caribenha, ignorando que toda experiência
socialista acabou em total miséria, e logo depois condenar a globalização e
chamar o comércio com ianques de “exploração” (decidam logo se ser “explorado”
pelo capitalismo é bom ou ruim).
Um esquerdista pode execrar uma jornalista
que diz compreender a revolta que leva ao ato de se fazer justiça com as
próprias mãos, e logo depois aplaudir invasores de terras e outros “movimentos
sociais”, que se julgam acima das leis em nome de suas “nobres” causas. Pode
até receber os criminosos no Palácio do Planalto!
Um esquerdista pode aliviar a barra do
criminoso, tratar o marginal como “vítima da sociedade”, e logo depois posar
como defensor dos pobres honestos, ignorando que a afirmação anterior
representa uma grave ofensa a todos aqueles que, apesar da origem humilde,
mostram-se pessoas decentes por escolha própria.
Um esquerdista pode repudiar a ganância dos
capitalistas, condenar o lucro, e logo depois aplaudir socialistas milionários,
ou “homens do povo” que vivem como nababos, que cobram fortunas para fazer
palestras, ou artistas que negociam enormes cachês com multinacionais para seus
filmes ou comerciais.
Um esquerdista pode ser um músico famoso ou
um comediante popular, e basta a fama por tais características para fazê-lo
acreditar que é um grande pensador político, um intelectual de peso, alguém
preparado para opinar com embasamento sobre os mais diversos assuntos sem
constrangimento.
Um esquerdista pode insistir de forma
patológica na cor do meliante preso ao poste, um rapaz negro, e logo depois ignorar
outro bandido amarrado a um poste, pois este tinha a cor “errada”: era branco.
Pode, ainda, acusar todos que condenam as cotas raciais de “racistas”, e logo
depois descascar Joaquim Barbosa, inclusive por causa de sua cor.
Um esquerdista pode alegar ser a pessoa
mais tolerante do mundo, isenta de qualquer preconceito e apaixonada pela
diversidade, para logo depois ridicularizar crentes evangélicos, conservadores
católicos ou liberais céticos.
Um esquerdista pode surtar com o uso de
balas de borracha pela polícia contra “ativistas” mascarados que quebram tudo
em volta, para logo depois cair em um ensurdecedor silêncio quando o governo
socialista venezuelano manda tanques para as ruas para atirar a esmo em
estudantes durante protestos legítimos contra um simulacro de democracia.
Um esquerdista, por fim, pode pintar as
cores mais românticas e revolucionárias sobre as máscaras de vândalos e
arruaceiros que atacam policiais, para logo depois chamar de “fascista” a
direita liberal, ignorando que o fascismo de Mussolini tinha os camisas-negras
que agiam de forma bastante similar aos black blocs.
Assim caminha a insanidade na Terra do
Nunca, com “sininhos” aprontando por aí enquanto os artistas e “intelectuais”
endossam a agressão contra o “sistema”. No fundo, defendem a barbárie contra a
civilização. Abusam da dialética marxista, do duplo padrão moral de julgamento,
da revolta seletiva, do cinismo, do monopólio da virtude.
Um esquerdista jamais precisa se importar
com a coerência, com o resultado concreto de suas ideias, com pobres de carne e
osso. Ele goza de um álibi prévio contra qualquer acusação. Afinal, é de
esquerda, ou seja, possui as mais lindas intenções. É o suficiente. Um
esquerdista pode tudo!